Literatura

Alimento

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por Clarice Casado

Eu odiava me sentir minúscula. Mas quem disse que ele se importava? Só sabia ser ele. Tudo era ele, só ele e muito mais ele, sem que eu nem tivesse vez para falar, Olha, eu também estou aqui, as luzes podem focar-se em outro ponto, por favor? Ouve um pouco do meu grito, meu Amo, que não é nada baixo, fico ouvindo-o sozinha há séculos. E só. Eu quero é fugir. E a minha liberdade vai vir mansinha, vai deitar-se em mim e invadir-me, como muitas vezes ele fez. A diferença é que desta vez eu vou gostar. E muito. E desta vez eu quero que ele veja, que sinta, que esteja, fique ali coitadinho, ele achava que era o único que podia pisar, pisar minhas palavras, minhas tardes de sábado, meus vasos de plantas, pisar-me. Mastigar-me toda. Mastigar minhas ideias, minhas agulhas tortas, minhas mãos de cera. Lambuzar-se com todos os pedaços meus. Massacre. Massacra, vai, agora é que eu quero ver quem é o Soberano. Soberana aqui te olhando, de onde ninguém jamais voltou, fiz primeiro, cheguei primeiro, desta vez, Comandante, o espetáculo é só meu. Meu. Não volto. Acabou.

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