Literatura

Ande na linha

andenalinha

por Clarice Casado

Em tempos de guerras, violência, desastres, falatórios inúteis, ignorância, incompetência e corrupção, resolvi hoje falar de amor. Sim, do mais puro, simples e revigorante amor. Resolvi falar de amor, simplesmente porque ouvir passivamente as notícias horrorosas do mundo sem nada poder fazer além de sofrer não me leva a lugar nenhum. Ou melhor, leva sim, leva a um péssimo e deprimente lugar, lugar no qual não quero estar e nem ficar.

Então lembrei-me de um filme simples, mas bonito, de um filme que conta uma singela história de amor, uma história de verdadeiro amor. Não desses amores rapidinhos de hoje em dia, mas de um amor daqueles que se pensa, “Poxa vida, isso sim é que é amor”.

O filme chama-se “Walk the Line” no original em inglês, e, no Brasil, foi traduzido como “Johnny e June”. Retrata as vidas, as carreiras e o relacionamento de dois músicos country da década de 50, Johnny Cash e June Carter. Cash e Carter conheceram-se no show business. Quando ele começou a cantar, vindo de infância e adolescência problemáticas e de uma passagem pela prisão, June já cantava há alguns anos, junto com suas irmãs. Johnny era fã de June e ficou encantado com ela quando a viu pela primeira vez ao vivo. A partir daí, passou a nutrir por ela uma arrebatadora e cativante paixão, que não foi imediatamente correspondida. Ou melhor, em minha modesta opinião de espectadora, acho que foi. Ela apenas resistiu bravamente por muito tempo ao assédio dele, já que era casado e tinha duas filhas, e ela era separada e com uma filha.

As canções do filme são fantásticas. Eu, que não sou fã de música country, apesar de achar que a dos Estados Unidos tem seu valor (Willie Nelson, por exemplo, é fantástico!), fiquei fãzona das músicas da dupla, brilhantemente interpretadas, no filme, por Joaquin Phoenix e Reese Witherspoon.

Umas das principais músicas (e um dos maiores sucessos de Cash), “Walk the Line”, que dá nome ao filme, baseia-se em uma passagem da vida dos músicos que é mostrada no filme. June fica furiosa com Johnny e mais um bando de músicos famosos (Jerry Lee Lewis e outros) pois estão todos bêbados algumas horas antes de um show que iriam fazer. Os rapazes estão fazendo uma jam session e falando bobagens, enquanto ela, garota certinha e cumpridora de regras, está se preparando para o show. Ela briga com Johnny e acaba dizendo que ele precisa “andar na linha” (“to walk the line”) para dar certo na vida. Essa foi a inspiração para a bela canção que tem como refrão o verso, “Because you’re mine/I walk the line”, em clara referência à June.

No filme, há uma incrível sintonia entre os atores. É contagiante a evolução do relacionamento deles. Nunca li nada sobre como ocorreu na realidade a relação, mas acredito que o filme tenha feito um retrato fiel. Pelo menos é a impressão que dá.

Pois bem, a história deles não é a uma história de amor comum. Johnny declarou seu amor por June muitas vezes, sem sucesso. Um dia, ela cede, quando Johnny ainda era casado. Mas logo se arrepende, e acaba por dar um fora nele, já que ele é casado, ela tem duas filhas de dois casamentos anteriores terminados, etc, etc. Ele fica transtornado, transtornadíssimo, pois tem realmente uma imensa obsessão por ela, totalmente compreensível, porque ela parece mesmo ser uma criatura adorável no filme, e Whiterspoon está perfeita no papel, tendo inclusive levado o Oscar no ano de 2006 por essa interpretação. Assim, após levar o tal fora de June, ele mergulha em uma depressão profunda, indo imediatamente buscar “aconchego” nas drogas. Compra uma casa em um lugar isolado, e ali fica recluso, apenas se drogando e sofrendo.

Um certo dia, depois de muito tempo separados, resolve ligar para June convidando-a para um almoço de Ação de Graças, onde também estão presentes a família dela e a dele, os pais e as filhas dos dois. Há uma terrível briga entre Johnny e seu pai, onde vários “podres” vêm à tona. Cash acaba tendo um acidente com um trator, e novamente entra em depressão. E é justamente aí que começa, para mim, a parte mais emocionante do filme. Vendo o estado em que se encontra o amigo, June e sua família instalam-se em sua casa decididos a ajudá-lo a sair da depressão e largar a cocaína. Dão início, sozinhos, sem a ajuda de médicos ou clínicas de reabilitação, à desintoxicação de Cash. June fica a seu lado em todos os momentos, até que ele se livre definitivamente do vício. Há uma cena em que o pai de June expulsa o traficante da casa de Cash com uma espingarda. É impressionante. Eu fiquei impressionada com a capacidade de doação e com a bondade daquela família. E, principalmente com a força de um amor como esse. Um amor que enfrenta sem medo a adversidade. Cash se recupera depois de algum tempo, e finalmente ele e June vão construir uma família juntos.

Eu adorei, e achei que seria bom falar desse meu sentimento hoje. Tenho ouvido as músicas da dupla no meu carro nos últimos dias incessantemente, e é fantástico, porque, para mim, não são apenas músicas. É como se desse para sentir o amor nelas. A incrível força daquele amor.

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