Literatura

O jogador invisível

jogadorinvisivel

por Cassiano Rodka

Nunca me dão bola, só porque eu nunca faço o gol. Mas eu gosto de jogar. Quando eu visto a camisa do time, sinto ela tatuada no corpo. Meu orgulho é visível. Eu, não. Se estou no time, é porque não tiveram opção. Os bons já haviam sido escolhidos e… cá estou. Mas não estou reclamando, eu gosto de jogar. Eu gosto de toda a função, desde o apito inicial até as gritarias ininteligíveis entre os jogadores. Raramente pego a bola, mas às vezes ela acaba sendo passada para mim. E não há nada como ter ela nos pés. Ficar no controle total da situação por alguns segundos, driblar os adversários, se aproximar do gol e… Ops! Na trave, mas foi perto. O capitão do time fica puto, mas eu não. Eu gosto de jogar. Me concentro no movimento da bola, nos gritos da torcida, nos apitos autoritários do juiz, nos empurrões dos adversários. Falta. Me rio com as reclamações. O jogo segue por muito tempo no zero a zero e o capitão está a mil. Ele quer gol. Quando eu menos espero, vejo a bola chegar – sem querer, é verdade, o centroavante chutou mal – aos meus pés. Levo ela, meio atrapalhado, em direção à goleira, com cuidado, sem vacilar. Sinto a adrenalina do possível gol e chuto com vontade… Ops! Direto nas mãos do goleiro. Eu blasfemo e rio. O capitão, não. O jogo segue com o time fazendo o possível para marcar um gol e me impedir de chegar perto da bola. Para desespero do capitão, eles só têm sucesso na segunda missão. Escanteio, cartão amarelo, reclamações, um gol do adversário, uma chuteira voando longe – é impressão minha ou ninguém mais achou isso engraçado? -, tiro de meta, apito final. Comemoração de uns, angústia de outros. No vestiário, o capitão dá uma bronca na gurizada e deixa o time, esbravejando que teve uma péssima tarde. Mas eu não. Eu gosto de jogar.

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